Em Brasília são
sempre 19 horas. Como na fatídica “Hora do Brasil”.
Pontualmente — e com a monotonia habitual - os locutores apresentam um relato
diário das atividades dos Três Poderes. Falam de um Brasil imaginário. Tentam,
com muito esforço, apresentar as atividades da demoníaca Praça dos Três
Poderes. O Brasil pode estar vivendo uma guerra civil. Mas lá, em Brasília,
tudo continua como se vivêssemos o melhor dos mundos. [...].
Somos governados
por uma elite perversa e hipócrita. Interesse público? Nenhum. Brasília, na sua
eterna indiferença com os destinos do Brasil, a cada dia dá mostras de que a
República que nasceu da Constituição de 1988 já deu o que tinha de dar - e deu
pouco, para o povo, entenda-se.
O que chama a
atenção é a crença dos donos do poder de que os brasileiros vão assistir
passivamente ao velho jogo do é dando que se recebe. Como se a luta vitoriosa
pelo impeachment tivesse esgotado a capacidade de mobilização. Ledo engano. No
final de 2015, poucos imaginavam que, seis meses depois, Dilma Rousseff estaria
fora da Presidência da República. E isto só ocorreu pela pressão popular.
Para o bloco do
poder, o impeachment encerrou a crise política. Errado. O impeachment somente
destampou a panela de pressão. A crise vai se agravar após as revelações das
delações da Odebrecht. E mais ainda pela resistência organizada na Praça dos
Três Poderes contra a Lava-Jato.
Não vai causar
admiração quando as ruas retomarem o protagonismo que tiveram tão recentemente.
Há um sentimento de que Brasília está da tal forma carcomida pela corrupção,
que só é possível esperar algum novo golpe contra os interesses populares.
Neste clima dificilmente serão aprovadas as reformas. E, se forem, deverão ter
um alto custo político.
A questão
central é que a velha ordem quer se manter a todo custo no poder. E tem
milhares de apoiadores - sócios menores e maiores - que vivem à sombra do saque
do Estado. Usam, paradoxalmente, do estado democrático de direito para se
defender. Ou seja, a lei, ao invés de proteger o Estado e a cidadania, acabou
se transformando em instrumento que garante e protege os corruptos.
O risco de a
crise política se transformar em crise social é grande. As finanças estaduais
estão exauridas. Os serviços públicos estão sucateados. O desemprego é alto. E
a falta de rápida e severa punição dos crimes de corrupção acaba desmoralizando
as instituições e estimulando o desprezo pela democracia.
No horizonte,
nada indica que a elite política tenha consciência da real situação do país. A
crise não frequenta os salões de Brasília. Lá a vida continua bela - como
sempre. É necessário desatar o nó górdio. Mais uma vez, este será o papel das
ruas. O simples protesto individual é inócuo. Foi uma grande vitória derrotar o
projeto criminoso de poder. Mas é ainda insuficiente. As forças de conservação
são poderosas. Espertamente - e não é a primeira vez ao longo da nossa história
- pegaram carona na indignação popular para se manter no novo bloco de poder. E
são elas os principais obstáculos para a plenitude republicana.
Hoje, a grande
tarefa é derrotar politicamente a Praça dos Três Poderes. O Brasil é melhor do
que o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. E
esta tarefa é da sociedade civil. Não será fácil. Mas é indispensável. Trechos do
artigo “Voltar às ruas” de Marco Antonio Villa/O Globo – Leia
na íntegra
Nenhum comentário:
Postar um comentário