*Não fosse o amanhã, que dia agitado seria o hoje!

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Alices no país do whatsapp

Você, provavelmente, já ouviu falar do médico russo Ivan Pavlov — cujos cachorros, acostumados a ouvir uma sineta ao ser alimentados, começavam a salivar toda vez que ouviam o barulhinho, estando o prato cheio ou não. Pois bem, cem anos depois dessa experiência, pode-se afirmar que os nossos celulares viraram grandes bifes suculentos, enquanto nós, seres humanos modernos, viramos cães insaciavelmente gulosos. Basta ouvir um “pim” vindo do aparelho para interromper o que estamos fazendo e checar nossos telefones, como totós esperando por um biscoitinho. Trata-se de um reflexo condicionado, explica o psicopedagogo Eugênio Cunha, mestre em Tecnologia da Informação e Comunicação.
-É um sistema de recompensa. Ficamos o tempo todo checando o celular, na esperança de um novo compartilhamento, de uma mensagem, de um post. O cérebro recebe uma gratificação química e vivemos nessa expectativa. Vira vício. E este vício já tem nome e desdobramento: nomofobia ou medo de ficar sem celular. Traduz-se por aquele indivíduo que entra em pânico ao perceber que o telefone vai ficar sem bateria, crédito ou sinal. Isso porque o homem moderno criou uma relação de dependência com o dito-cujo: seja para pagar contas, checar o trânsito, ver o horário do cinema, tirar uma foto ou até, quem diria, telefonar. Sem este dispositivo, nos sentimos, mais ou menos, quando a luz acabava e não sabíamos o que fazer. Pois bem, o nomofóbico sente tudo isso, mas em outro nível, expresso por um terror irracional.
-Ninguém quer voltar para o mundo analógico, mas nem todos estão preparados para a dependência digital. Existe até a Síndrome do Toque Fantasma. Não tem gente que perde a perna e relata sentir dor naquele membro? Da mesma forma, algumas pessoas sentem o celular vibrando e só então se dão conta de que não estão com o aparelho ligado ou por perto. Gera uma obsessão — diz o professor.
No Brasil, não há pesquisas para mensurar o tamanho do problema. Mas nos Estados Unidos, sim. Que rufem os tambores: segundo o Pew Research Center, 55% dos americanos usam o celular no carro; 35%, no cinema; 33%, num encontro romântico; 19%, na igreja; 12%, no chuveiro (!); e, pasmem, 9% sacam o celular enquanto fazem sexo.
O ator Álamo Facó está longe de ser nomofóbico — para provar, há que se registrar que ele só atendeu à ligação para esta entrevista na quarta tentativa. Há alguns anos, porém, uma certa dependência chegou a incomodá-lo.
-Estava no meio da terapia quando chequei o telefone pela terceira vez — conta rindo, sem neura. — Percebi que estava indo longe demais quando sonhei que vivia no mundo do WhatsApp. Hoje, desligo o wi-fi da casa inteira antes de ir para cama.

Segundo bloco da reportagem “Nossa Maluquez”, de Natasha Mazzacaro, pulicada na REVISTA O GLOBO/Jornal O Globo no domingo 28