Lucia e eu nos
casamos em março de 1964. Fomos morar num quarto-e-sala
da Rua Figueiredo Magalhães, em Copacabana. Eu, sem emprego, tentava começar um
negócio que só provaria minha total inabilidade para negócios. Vivíamos do
dinheiro mandado de casa, o bastante para pagar o aluguel e pouca coisa mais. E
éramos felizes.
Quando marcamos
a data do casamento, me ocupei em saber o que o ano de 64 nos reservava. Não
tinha nenhuma crença em desígnios ocultos, mas nunca se sabe. Encontrei uma
lista num livro chamado “Símbolos”.
Descobri que 64
são os caminhos da Cabala para o conhecimento.
Que a mãe do
Buda era de uma família com 64 tipos de virtude.
Que 64 gerações
separavam Confúcio do começo da dinastia Hoang Ti.
Que Jesus Cristo
era o sexagésimo-quarto na linha de descendentes diretos de Adão, segundo São
Lucas.
Que 64 mulas
puxaram a carruagem fúnebre de Alexandre Magno.
Que 64 pessoas
carregavam os restos mortais dos imperadores da China.
Que 64 são as
casas num tabuleiro de xadrez.
E que 64, oito
vezes oito, é o numero da plenitude humana.
Deduzi que 64
era um bom ano para começar um casamento. Mal sabia eu…
A lista não
dizia nada sobre o general Mourão.
A notícia de que
as tropas estão na rua outra vez me enche, portanto, de revolta, mas também de
nostalgia. Saudade não do golpe e do que viria depois, mas de nós, naqueles
dias. Minha única atividade antigolpe, além de comprar o “Correio da Manhã”
para ler o Cony, era preparar a fuga de uma tia que estava sendo hostilizada no
trabalho, caso fosse necessário. Mas quando penso em 64, penso no nosso pequeno
apartamento na Figueiredo Magalhães, na festa que era quando sobrava algum
dinheiro para jantar no “Rondinela”.
Não sei se
teremos 64 de novo. Nem sei se a tropa já não foi, sensatamente, recolhida aos
quartéis. Nossa juventude é que certamente não volta mais - Luis Fernando Verissimo
– CONFERE LÁ
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