*Não fosse o amanhã, que dia agitado seria o hoje!

terça-feira, 30 de maio de 2017

“64”

Lucia e eu nos casamos em março de 1964. Fomos morar num quarto-e-sala da Rua Figueiredo Magalhães, em Copacabana. Eu, sem emprego, tentava começar um negócio que só provaria minha total inabilidade para negócios. Vivíamos do dinheiro mandado de casa, o bastante para pagar o aluguel e pouca coisa mais. E éramos felizes.
Quando marcamos a data do casamento, me ocupei em saber o que o ano de 64 nos reservava. Não tinha nenhuma crença em desígnios ocultos, mas nunca se sabe. Encontrei uma lista num livro chamado “Símbolos”.

Descobri que 64 são os caminhos da Cabala para o conhecimento.
Que a mãe do Buda era de uma família com 64 tipos de virtude.
Que 64 gerações separavam Confúcio do começo da dinastia Hoang Ti.
Que Jesus Cristo era o sexagésimo-quarto na linha de descendentes diretos de Adão, segundo São Lucas.
Que 64 mulas puxaram a carruagem fúnebre de Alexandre Magno.
Que 64 pessoas carregavam os restos mortais dos imperadores da China.
Que 64 são as casas num tabuleiro de xadrez.
E que 64, oito vezes oito, é o numero da plenitude humana.
Deduzi que 64 era um bom ano para começar um casamento. Mal sabia eu…
A lista não dizia nada sobre o general Mourão.

A notícia de que as tropas estão na rua outra vez me enche, portanto, de revolta, mas também de nostalgia. Saudade não do golpe e do que viria depois, mas de nós, naqueles dias. Minha única atividade antigolpe, além de comprar o “Correio da Manhã” para ler o Cony, era preparar a fuga de uma tia que estava sendo hostilizada no trabalho, caso fosse necessário. Mas quando penso em 64, penso no nosso pequeno apartamento na Figueiredo Magalhães, na festa que era quando sobrava algum dinheiro para jantar no “Rondinela”.


Não sei se teremos 64 de novo. Nem sei se a tropa já não foi, sensatamente, recolhida aos quartéis. Nossa juventude é que certamente não volta mais - Luis Fernando Verissimo – CONFERE LÁ

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